Quando começa a vida humana?
Em março de 2005, as pesquisas com células-tronco de embriões humanos foram aprovadas pelo Congresso brasileiro, no âmbito da Lei de Biossegurança. Dois meses depois, o procurador-geral da República entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal - STF, sob a alegação de que estudos do gênero "ferem o direito de embriões", pois eles representam vida humana. Resta saber a partir de que estágio dos embriões pode-se determinar que existe vida humana.
O avanço do conhecimento da humanidade não facilitou esse entendimento. Ao contrário, tornou-o mais complexo e, por isso, em abril, o STF realizou, pela primeira vez em quase dois séculos de existência, uma audiência pública para ouvir cientistas, antes de julgar a matéria. Sob o ponto de vista técnico não existe na Constituição um conceito claro de quando a vida humana começa. Os cientistas também divergem sobre o tema.
Basicamente, o assunto fica dividido em duas correntes: alguns estão convencidos de que a origem da vida humana se dá no momento da fecundação e, para outros, ela acontece em momentos específicos da gestação, o que também abriga vários conceitos para determinar após quantos dias o embrião passa a ser considerado uma vida humana.
A fecundação como início da vida humana
Alguns cientistas defendem que a vida humana começa quando o espermatozóide fecunda o óvulo. Alegam que neste momento já estão definidas as características genéticas como altura, cor de cabelo, doenças futuras e etc. Tais embriões são como uma pilha de CDs, em que não se sabe o que está gravado, mas se sabe que eles estão gravados (no caso, com os códigos genéticos).
O grupo defende que a vida humana é um processo contínuo, coordenado e progressivo. Do óvulo até a pessoa adulta há mudanças, mas é a mesma identidade. O zigoto é a primeira célula do Homo sapiens que dispara o programa de desenvolvimento intrínseco do ser.
Além disto, desde o momento da fecundação natural, o embrião trava um "diálogo químico" com as células do corpo da mãe. Pelo menos cem neurotransmissores são emitidos pelo embrião para os 75 trilhões de células existentes no corpo da gestante, que começa a sofrer mudanças hormonais.
A vida humana só se caracteriza em determinados momentos da gestação
Na segunda corrente estão os cientistas favoráveis à utilização, em pesquisas, de células-tronco embrionárias - extraídas de embriões fertilizados in vitro e mantidos congelados em clínicas de reprodução assistida.
Entre os embriões fecundados in vitro apenas uma pequena parcela pode ser transferida para o útero da mãe e, ainda assim, têm só 25% de chances de serem gerados, por isso são implantados de quatro a cinco embriões. Os demais embriões, que apresentam fragmentação, têm reduzidíssimas chances de crescimento e oferecem risco de má-formação do feto. Como esses embriões são inviáveis, este grupo de cientistas entende que eles deveriam ser doados para pesquisa.
Outros cientistas defendem que a origem da vida humana se dá quando o óvulo fecundado adere à parede do útero, o que acontece no 3º ou 4º dia. Por este ponto de vista, as células que não tiveram contato com o útero materno (porque a fecundação foi feita in vitro) não seriam consideradas ainda um ser humano.
Existe ainda outra corrente, que entende que o início da vida humana só acontece a partir do aparecimento das primeiras terminações nervosas que resultarão no cérebro, o que ocorre por volta da 2ª semana de gestação.
Sendo assim a vida poderia ser definida em oposição à morte, já reconhecida pela legislação brasileira como o momento em que cessam as atividades cerebrais, e a partir do qual fica autorizada a doação de órgãos. Como o embrião congelado não tem atividade cerebral, poderia, então, doar células.
Além da Ciência não ter uma resposta única, é preciso considerar que ela não pode ser o único campo do conhecimento a ser ouvido. A Corte Suprema ouvirá ainda os argumentos da Filosofia e da Ética antes de se posicionar.
Se a decisão for favorável ao que já está previsto na Lei de Biossegurança, as pesquisas com células-tronco embrionárias prosseguirão. Mas se a decisão for contrária - o que significa que os ministros concluíram que a vida começa na fecundação e, a partir desse momento, deve ser protegida - as pesquisas serão interrompidas.