Globalização Amplia Desigualdades entre Países Ricos e Pobres
As reuniões de entidades ligadas ao comércio internacional continuam marcadas por protestos e quebra-quebra. Motivo de tanta fúria: a globalização, política que é definida pelos países ricos como a grande maravilha do mundo livre e, para seus críticos, é apenas o novo nome para uma velha prática, o imperialismo.
Os militantes que assustaram o FMI tinham perfil semelhante ao dos que protestaram contra outros dois encontros parecidos: a reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Seattle, Estados Unidos, em agosto de 1999 (500 prisões), e a Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), em Bangkoc, Tailândia, em fevereiro de 2000 (mais de 200 presos).
Juntam ambientalistas, organizações e sindicais internacionais, esquerdistas de todas as correntes, militantes contra o trabalho infantil e anarquistas. Cada grupo tem posições diferentes. Divergem entre si, a maior parte do tempo, mas todos têm a mesma opinião sobre a globalização. Dizem que ela falhou inteiramente em integrar os países pobres ao processo de enriquecimento mundial. E, nesse ponto, contam com o apoio das lideranças do Terceiro Mundo.
"Essa nova ordem mundial é meramente a mesma e antiga forma de opressão com a qual o Ocidente domina as nações em desenvolvimento. A África deve lutar contra a globalização, seja por meio de negociações, seja pela resistência. Se não conseguirmos de forma pacífica, então isso tem de ser feito por meio de lutas.", declarou o presidente de Uganda, Yoweri Museveni, na última Conferência dos Países Africanos.
Ricos contra pobres — A globalização é uma política que prega o liberalismo econômico em todos os níveis e ganhou impulso com a queda dos regimes comunistas na Europa Oriental. Seu símbolo máximo é o FMI, organismo financiador de desenvolvimento formado por mais de cem países, mas que tem como acionista principal (com 17% das cotas) os Estados Unidos. Nações em dificuldades que recorrem ao Fundo precisam seguir regras draconianas para "recuperar" suas economias, o que inclui, quase sempre, arrocho salarial, redução das taxas de inflação e paralisação temporária de seu crescimento econômico.
Como a base da globalização é o exercício do livre comércio, teoricamente o FMI, o Banco Mundial e outros organismos internacionais ligados à economia deveriam assegurar oportunidades iguais para todos os países. Na prática, não é isso que vem ocorrendo. As nações ricas da Europa continuam protegendo seus próprios mercados internos (sobretudo a agricultura), por meio de embargos, restrições e altas taxas de impostos para produtos produzidos ou fabricados nos países mais pobres. Por ser o maior acionista, o governo americano simboliza todos estes vilões. Os críticos da globalização sustentam que ela só tem sido boa para os Estados Unidos, país que vem tendo taxas recordes de crescimento há quase dez anos e onde o desemprego praticamente inexiste.
O protecionismo americano é justificado, pelo seu próprio governo, pelo fato de que os Estados Unidos são o maior importador de produtos de todo o mundo, e sua balança comercial (itens importados e itens exportados) ficou tão desequilibrada que o déficit chegou a 300 bilhões de dólares.
Os adversários mais ferrenhos reclamam também que o excesso de liberalismo econômico está ajudando a criar grandes corporações empresariais que, na prática, acabarão por suplantar os próprios sistemas nacionais de governo. Drásticos, os críticos sugerem que, se nada mudar, no futuro elas passarão a dominar a maior parte das transações comerciais. Aturarão com suas próprias bandeiras, em lugar das bandeiras dos países onde estão instaladas. Exemplo disso é a forma de atuação da GM no Brasil: ela negocia diretamente a venda de seus carros para o México, o Chile e a Venezuela. O governo brasileiro só é avisado sobre as transações quando todos os acordos já estão definidos.
Diferenças dramáticas — Quem defende a globalização diz que ela é um movimento econômico irreversível, responsável por melhorias no padrão de vida de inúmeros países da Ásia (os "Tigres Asiáticos). Dizem também que ela é a responsável pela disseminação das novas tecnologias por todos os continentes. Mas essa prosperidade é desmentida pelos próprios números do Banco Mundial (Bird). Em seu informe anual, o Bird relacionou números dramáticos, mostrando que o abismo entre países ricos e pobres mais do que dobrou nos últimos 40 anos.
Apesar de um acúmulo de riquezas sem precedentes em termos globais, diz o estudo, quase 50% da população das nações pobres vivem na miséria: 1,2 bilhão de pessoas sobrevivem ganhando 1 dólar por dia (menos de 2 reais) e 2,8 bilhões não chegam a receber 2 dólares. A renda per capita dos 20 países mais ricos é 37 vezes maior que a dos 20 mais pobres (há 40 anos, essa diferença era de 16 vezes). Nas nações do Terceiro Mundo, 50% das crianças sofrem de desnutrição. Nos países da Europa Oriental e da Ásia Central, que ganharam independência com o fim da União Soviética, a pobreza aumentou 20 vezes desde o colapso do comunismo, no final dos anos 80.
Outros números do Banco Mundial: pouco mais de 1 bilhão de habitantes dos países ricos desfrutam de 82% dos benefícios da globalização. Os 18% restantes são divididos pelos 4,8 bilhões que moram em mais de 150 países pobres. E mesmo no Terceiro Mundo essa distribuição é desigual. Na América Latina, as taxas de pobreza só diminuíram no Brasil, Chile, Honduras e República Dominicana. Na maioria dos países, a miséria não mudou de lugar, mas cresceu no México, Equador e Venezuela. As populações indígena e negra vivem em estado de pobreza ainda maior, em países já pobres.
Mea-culpa — Tantos números negativos e tantos gritos dos opositores começam a fazer efeito no próprio coração da fera. Nos últimos meses, declarações de líderes de países ricos ou de dirigentes de organismos oficiais sugerem o reconhecimento de que a globalização, se é irreversível, precisa mudar de rumo. Os dirigentes dos países ricos já admitiram que talvez a prioridade seja combater a pobreza, e não aumentar o comércio internacional. O Banco Mundial disse que vai criar uma série de mecanismos não-financeiros (sem envolver empréstimos) para o combate à pobreza nos países em desenvolvimento.
O mea-culpa mais espetacular, contudo, foi do ex-diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional. Depois de dirigir o FMI durante quase dez anos, Michel Candessus uniu-se ao Vaticano na criação de uma entidade de ajuda aos países do Terceiro Mundo. No início da atual ofensiva dos grupos de pressão contra o liberalismo econômico, Candessus chegou a levar uma torta no rosto, disparada por um americano irado contra a globalização.
"Precisamos humanizar a globalização, porque a pobreza é a ameaça definitiva à estabilidade do mundo." — reconheceu Candessus.
Nos últimos dez anos, pelo menos 40 países pobres tiveram que engolir ou uma receita amarga para adaptar suas economias ao globalismo e ter o direito de tomar empréstimos no FMI. Demitiram servidores públicos, privatizaram empresas estatais, congelaram salários, abriram seus mercados às multinacionais. Em alguns casos, agrediram a democracia e ampliaram a repressão interna para conter as vozes discordantes. Nada disso trouxe melhorias significativas a seus países.