Funk torna-se popular em todas as classes sociais e provoca protestos na sociedade
Desde o carnaval, o país teve que se acostumar a ouvir e decifrar termos como cachorras, popozudas, tchutchucas, preparadas e tigrões. O refrão "Tá tudo dominado", cantado pelo funkeiro conhecido como Tigrão, também passou a ser o novo grito de guerra dos jovens, em todas as classes sociais, faixas etárias — as festas de criança também estão tocando funk — e em qualquer lugar do Rio, da Zona Norte à Zona Sul. Segundo os críticos de música, o ritmo que está tomando conta do país não poderia ser chamado de música funk, mas de "pancadão". A rigor, o verdadeiro funk music é um gênero musical criado pela comunidade negra norte-americana no século passado e que propaga o amor, a paz e a unidade. O funk americano é uma derivação mais suingada da soul music e tem como mestres artistas do porte de James Brown, George Clinton, The Meters e Sly Stone. Os grupos de funk conseguiam aliar técnica, improvisação e bom gosto. No meio da década de 80, o rap americano começa a ser imitado no Brasil e surgem o rap paulista e o funk carioca. Com uma batida mais lenta, o rap paulista é cheio de samplers (uso de gravações de outros artistas) e tem letras repletas de mensagens e críticas. Já o funk do Rio teria letras de baixa qualidade e melodias pobres. E quem não está por dentro das gírias e da geografia do Rio corre o risco de não identificar os personagens da história. O modelo seria o miami bass, uma batida que surgiu na metade dos anos 80 como uma versão ensolarada do rap que se fazia em Nova York. Ela entregou um manifesto ao ministro da Justiça, José Gregori, pedindo que o Departamento de Classificação Indicativa do Ministério da Justiça procure conter os abusos cometidos nos programas televisivos que exibem bailes funks. Maria do Carmo salientou ainda que não se pode confundir liberdade de expressão artística com libertinagem. Fenômeno da periferia do Rio — No livro "Funk e cultura popular carioca", o antropólogo Hermano Vianna faz uma análise do consumo festivo da música funk no Rio de Janeiro. Na época em que ele foi lançado, no início dos anos 90, o funk ainda era um fenômeno de massa ignorado por grande parte da população da cidade e dos meios de comunicação. Hermano apresenta o fenômeno do funk carioca como um exemplo da heterogeneidade cultural das metrópoles contemporâneas e dos modos pelos quais a Indústria Cultural pode interagir com o que é heterogêneo sem pretender homogeneizá-lo. Até há cinco ou dois anos, a música funk tinha uma força de afirmação e marginalidade. As gangues das favelas guerreavam entre si, excitadas pela pancada funk. As manchetes dos jornais freqüentemente noticiavam mortes e vandalismo nos bailes. A violência continua existindo. Os funkeiros só podem ir a bailes das "áreas" onde eles moram, como se houvesse uma espécie de fronteira ou diferença cultural entre um bairro e outro. Hoje, no entanto, a realidade é diferente em alguns aspectos. O funk foi diluído e virou onda da classe média. O ritmo foi amansado e embalado para consumo, ganhou o palco dos programas de auditório da TV e as festas de passos ensaiados nos aniversários de adolescentes da classe média. Ou seja, ele foi absorvido pela Indústria Cultural e se tornou palatável para todas as classes sociais. Os críticos do ritmo, no entanto, dizem que vivemos num período de obscurantismo cultural e de perda de valores. Num texto intitulado "Racistas, irracionais e inconscientes", Alvaro R. Velloso de Carvalho afirma que grupos como ‘Os Racionais’, elogiados por Hermano Vianna, estão disseminando uma cultura racista entre a juventude negra brasileira. Seria uma espécie de exacerbação do orgulho negro que derivaria para um racismo às avessas, um ódio dos negros contra os brancos, como ocorre nos Estados Unidos. Carvalho diz que é inútil discutir com os antropólogos porque para eles tudo são "manifestações culturais" e nenhuma cultura pode ser julgada a partir de fora. "A antropologia exclui de seu método de estudos, por definição, as distinções qualitativas". A partir desse pressuposto, o funk das ‘tchutchucas’ teria o mesmo valor que uma música de Villa-Lobos. Um problema de saúde pública — A menina de 14 anos que foi atendida num hospital público revelou que as garotas dos bailes funks têm relações sexuais com vários rapazes numa mesma noite sem usar preservativo. Uma das coreografias mais dançadas nos bailes é a do trenzinho, em que as pessoas dançam umas atrás das outras. Logo que o fato veio à tona, a expressão "engravidei do trenzinho" tomou conta do noticiário nacional. Com a denúncia, o secretário municipal de Saúde, Sérgio Arouca, determinou, no dia 10 de março, que todos os bailes funks do Rio teriam a sua fiscalização intensificada. A chamada "Operação Baile Funk", envolveria cerca de 20 policiais da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) e 22 comissários do Juizado da Infância e Juventude. Em 2000, o Juizado fez 1.730 incursões em bailes funks. Foram encontradas irregularidades como presença de menores e apologia à pornografia. A delegada titular da DPCA, Monique Vidal, disse que na maioria dos bailes há venda de bebidas alcoólicas a menores, o que é crime. Caso os policiais constatem tal prática, o responsável pelo baile será preso em flagrante. Na mesma ocasião, o juiz da 1ª Vara da Infância e Juventude, Siro Darlan, que tem suas decisões criticadas por muitos cariocas por excesso de pudor, não hesitou em classificar os bailes funks de "bacanais". Na semana passada, no entanto, foi anunciado um baile funk beneficente que será organizado junto com a 1a Vara da Infância e da Juventude do Rio. O nome da festa será o Baile do Alimento e acontecerá na Vila da Penha, bairro da Zona Norte do Rio. O ingresso será dois quilos de alimentos não perecíveis. As contribuições serão coletadas pelo Juizado de Menores e distribuídas em instituições de crianças carentes. Entre os artistas que vão se apresentar estão os grupos de funk mais populares do Rio. A notícia de que uma menina de 14 anos havia engravidado e contraído o vírus da Aids ao fazer sexo num baile funk do Rio detonou uma discussão que já estava latente no país. O que acontece nos bailes que gera tantas controvérsias na sociedade? De um lado, há os que dizem que os bailes e o ritmo funk incitam à violência, à pornografia e ao machismo. De outro, os que vêem o funk como um movimento cultural da periferia do Rio de Janeiro, uma manifestação das classes mais desfavorecidas do país. Uns e outros têm suas razões, mas o fato é que o funk que surgiu na periferia do Rio está sendo exportado para todo o país e virou uma febre nacional.
Além disso, os gestos obscenos e a utilização de termos como ‘cachorra’, ‘popuzuda’ e ‘tchutchuca’ para se referir às mulheres estariam contribuindo para a desvalorização do sexo feminino. Uma das letras mais tocadas nas rádios afirma que "um tapinha não dói", o que está sendo interpretado como um retrocesso no movimento feminista. Um tapinha dói, sim, dizem as feministas. E termos como ‘cachorra’ e ‘preparada’ só estariam reproduzindo os mesmos preconceitos contra a mulher que dominaram toda a História da Humanidade. Antigamente, fazia-se uma distinção entre "mulher fácil" e "moça de família". Hoje, a fácil é a ‘cachorra’.
O assunto virou tema de discussão entre dirigentes do PFL. A presidente do "PFL Mulher", a senadora Maria do Carmo Alves (SE) protestou, durante uma reunião da executiva nacional, contra o tratamento de ‘popozuda’ e ‘cachorra’, dispensado às mulheres pelos funkeiros e adotado por locutores de rádio e atores de televisão.