Acesso à água: um direito ameaçado por conflitos
O recente episódio da guerra entre Ucrânia e Rússia com a destruição de uma enorme represa na área controlada pela Rússia no sul da Ucrânia e cada um dos lados tentando culpar o outro mostra como o acesso à água pode ser uma arma de guerra.
Há milênios os recursos hídricos, por sua importância vital, geram conflitos. Um episódio marcante na guerra da Independência dos Estados Unidos foi o ataque feito pelos britânicos ao sistema de água de Nova York. E quando a Rússia ocupou a Crimeia, em 2014, a Ucrânia construiu uma represa para cortar o fluxo de água para os russos, represa que foi posteriormente implodida pelos russos no início da atual guerra contra a Ucrânia.
Embora a Convenção de Genebra, que busca limitar os efeitos dos conflitos armados, protegendo as populações civis, proíba ataques contra serviços de infraestrutura, como o de abastecimento de água, as violações são comuns.
Na verdade, a guerra pela água é uma realidade cada vez mais presente. À medida que a demanda por água potável aumenta devido ao crescimento populacional, às mudanças climáticas e à industrialização, surgem disputas políticas acirradas em várias regiões do globo. Esses conflitos demonstram o quão essencial a água se tornou, não apenas como um recurso vital para a sobrevivência humana, mas também como um fator político e econômico.
Esses conflitos atingem a impressionante marca de 1.300 registros num documento chamado Cronologia dos Conflitos pela Água, mantido pelo Instituto Pacific, da California, que remonta à babilônia e se estende aos dias atuais.
Conflitos no Brasil e no mundo
O Oriente Médio, caracterizado pela escassez hídrica, é um exemplo notório de disputa política por O rio Jordão, que atravessa Israel, Jordânia e Palestina, é objeto de uma intensa disputa política e territorial. A gestão e distribuição dessa fonte de água são frequentemente motivo de tensão e conflitos entre os países envolvidos.
Já na África e principal disputa envolve Egito, Etiópia e Sudão em torno da construção da Grande Barragem do Renascimento Etíope no rio Nilo. O Egito, que historicamente depende do rio Nilo para seu abastecimento de água, teme que a barragem afete seu suprimento hídrico, levando a tensões diplomáticas significativas na região.
Vale também lembrar as tensões recorrentes entre países que compartilham rios internacionais, como o Rio Ganges, na Ásia, e o Danúbio, na Europa. Esses cursos de água atravessam várias nações, e a gestão equitativa e sustentável dos recursos hídricos pode ser motivo de conflitos e negociações políticas complexas.
Mesmo no Brasil, onde temos a maior reserva de água doce do mundo, também surgem disputas políticas relacionadas à água. Um exemplo é a disputa entre os estados do Nordeste pelo controle das águas do Rio São Francisco. A transposição do rio, um projeto de grande envergadura que busca levar água para regiões áridas e semiáridas, tem sido alvo de discussões e conflitos entre os estados envolvidos, que buscam garantir sua parcela adequada de água.
Infelizmente, a guerra pela água é um fenômeno que pode se intensificar no futuro, pois a escassez hídrica se agrava em várias partes do mundo e atinge aproximadamente 40% da população mundial. Segundo estimativas das Nações Unidas e do Banco Mundial, secas poderiam colocar 700 milhões de pessoas em risco de deslocamento em 2030.
Por isso é fundamental que os governos e as organizações internacionais trabalhem em conjunto para estabelecer acordos e mecanismos de cooperação para a gestão e distribuição equitativa da água. O desenvolvimento de tecnologias de conservação e reutilização da água, assim como a promoção de práticas sustentáveis em relação ao uso dos recursos hídricos, são medidas essenciais para evitar conflitos futuros e garantir o acesso universal à água potável.